Violência contra jovens nas redes sociais reacende debate sobre cyberbullying no Brasil.

Da Redação, com Folhape:
felizsramosdecarvalho@yahoo.com.br- 

Há dois meses, um dos principais fenômenos que simbolizam a atualíssima força das mídias digitais no Brasil anunciava uma pausa nas redes sociais para cuidar da saúde mental.


Mesmo assim, ela sentiu o peso violento dos ataques de “haters” (palavra do inglês que pode ser traduzida como “depreciadores”).

Eram mensagens de ódio que não paravam de chegar desde a notícia da morte prematura do filho do ex-marido da artista, o comediante e também influenciador Whindersson Nunes, 26.

Dias depois, Sonza ainda publicou um vídeo nos Stories, pedindo para que parassem com os ataques, sem quase conseguir falar de tanto choro. A gravação foi retirada do ar, e a equipe da cantora anunciou o afastamento dela, que voltaria às atividades no mês seguinte para lançar o álbum novo.

Tragédia anunciada
O problema se torna ainda mais complicado quando atinge pessoas mais novas e sem um aparato de apoio tão estruturado quanto o de uma cantora como Luísa Sonza, podendo resultar em tragédia. Foi o caso de Lucas, 16, o filho da cantora Walkyria Santos, que, depois de postar um vídeo no TikTok em que simulava que daria um beijo em um amigo, teve a sexualidade questionada e foi alvo de comentários homofóbicos.

Diante da pressão, o adolescente ainda gravou outro vídeo “se retratando”, mas o estrago estava feito. O garoto se suicidou. (Quem precisar de ajuda para problemas psicológicos deve procurar serviços de apoio como o Centro de Valorização da Vida, o CVV, que atende 24 horas, de domingo a domingo, pelo disque 188 ou pelo site da instituição, o cvv.org.br).

Advogada Ana Vasconcelos NegrelliAna Negrelli (Foto: Divulgação)

Bullying em debate
Esses e outros casos recentes de “cancelamentos” ou “linchamentos” contra jovens e pessoas que exercem influência sobre eles na internet trouxeram à tona um debate que já era bastante comum nas escolas, mas que agora se expande para todo o mundo virtual: o cyberbullying.

A prática, definida na lei federal 13.185/2015 como “intimidação sistemática na rede mundial de computadores”, é realizada quando se utilizam “instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial”.

“Nós chamamos de intimidação sistemática porque ele é recorrente, não vem por meio de um ato isolado. O bullying ‘tradicional’ consiste em ataques físicos, insultos pessoais, comentários, apelidos pejorativos, ameaças. E o cyberbullying é usar a rede para incitar a violência”, explica a advogada Ana Vasconcelos Negrelli, especialista em Direito da Família do escritório Martorelli Advogados.

Na visão dela, o cyberbullying pode ser mais perigoso. “Primeiro, porque você tem uma plateia muito maior. Segundo, porque o agressor pode estar atuando de forma anônima. E, terceiro, porque ele não tem fronteiras espaciais. Aquele conteúdo pode ter uma repercussão grande e depois parar, mas, depois de um tempo, pode aparecer em outro lugar, e tudo recomeça. A vítima não tem para onde fugir”, conclui Negrelli.

Geração hiperconectada
O combate ao cyberbullying e a outras violências na internet pode ser visto como um dos grandes desafios da sociedade contemporânea, que vive em uma rotina constantemente transformada pelo avanço acelerado das tecnologias digitais.

E diferentemente dos pais, tios e avós, que vêm de uma época “analógica”, as crianças e os adolescentes de hoje já nasceram imersos nesse modo de vida hiperconectado, sem, muitas vezes, saber distinguir o mundo “real” do “virtual”, duas dimensões que, de fato, se complementam e se confundem o tempo todo.

Apesar de ser uma característica da atualidade, a pesquisadora Suely Deslandes, professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente do Instituto Nacional Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz), lembra que a absorção de novas tecnologias sempre foi o fenômeno presente nas sociedades industrializadas, demarcando diferenças entre as gerações.

“A internet não foi a primeira a fazer isso. Toda e qualquer tecnologia que tem o poder de transformar o cotidiano muda as relações e a maneira de encarar o mundo”, afirma.

Uma das diferenças geradas entre os adultos mais velhos e os jovens atualmente é o letramento digital, o domínio sobre o uso e a linguagem das ferramentas tecnológicas.

“Para as gerações mais novas, é, digamos, ‘natural’ ter uma relação entre digital e analógico completamente sem fronteiras. Elas brincam, jogam, assistem a filmes juntas pela internet, e as plataformas querem que você esteja conectado o tempo todo. Então, esse apelo de hiperconexão, gera crianças e adolescentes, por um lado, capazes de manejar muito melhor vários recursos oferecidos e, por outro, muito mais suscetíveis ao ‘efeito plateia’, a querer agradar. É a cultura do ‘like’”, analisa a professora.

Maior uso da internet tornou crianças e adolescentes mais vulneráveis a crimes cibernéticosMaior uso da internet tornou crianças e adolescentes mais vulneráveis a crimes (Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco)

Educação digital
Nesse contexto de buscar aceitação social, a violência ganha espaço nos meios digitais com a disseminação de preconceitos e discursos de ódio, que alimentam também a prática de crimes sexuais e de gênero.

As principais vítimas acabam sendo mulheres, negros, LGBTQIAP+ e pessoas que não se enquadram nos padrões de beleza e consumo difundidos por imagens de “corpo sarado e perfeito” ou de produtos e serviços a que uma pequena parcela da população tem acesso.

Para atuar contra isso, a professora Suely Deslandes defende que os pais adotem estratégias distintas conforme a idade do jovem.

“Para a faixa de até seis anos, as diversas ferramentas de controle parental sobre o que e onde o filho está consumindo podem ajudar. As próprias plataformas, como o YouTube, têm esse dispositivo”, observa. “A partir das idades mais velhas, essas crianças têm um letramento digital tão superior que não é possível achar que os pais vão conseguir dar conta desse controle”.

Por isso, a aposta em relação aos mais velhos deve ser no diálogo para uma educação digital.

“Embora esses meninos e meninas tenham muita fluência no uso das plataformas, eles não têm o discernimento de autopreservação de um adulto. E, mesmo assim, muitos adultos nem desenvolveram tais critérios", avalia a pesquisadora.

"Então, em vez de controlar, os pais devem debater e tentar construir com os filhos um senso crítico do uso da internet, orientando sobre o tipo de conteúdo de que se deve desconfiar e sobre não disseminar conteúdos que envolvam questões íntimas de colegas, namorados ou namoradas, numa perspectiva ética”.

Diálogo familiar
A busca pela aprovação de um grupo faz parte da socialização e da formação do indivíduo na transição da infância e adolescência para a fase adulta.

O psicólogo clínico Fernando Cruz, membro do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco (CRP-02), ressalta que os efeitos da superexposição nas redes sociais são ainda maiores para um jovem. Assim, o contato com ataques virtuais e conflitos na internet pode provocar quadros de ansiedade, isolamento e baixa autoestima (veja no infográfico).

“Essas redes, em especial o Instagram, são construídas para reforçar o estímulo de dopamina (neurotransmissor que libera a sensação de prazer) quando você recebe uma aprovação social da sua atitude ou da sua foto. Mas, ao mesmo tempo, a descida para os comentários negativos é muito ruim, principalmente porque, no ambiente virtual, existe o movimento de se esconder no anonimato, e os comentários não têm tanto o crivo de consciência ou a noção de consequência”, comenta o psicólogo.

“Isso abala a confiança para lidar com as questões cotidianas e pode ser levado para a vida adulta”.

Cyberbullying e problemas com as redes sociais

Por esse motivo, a criança ou o adolescente precisa ter abertura para falar com os pais sobre a própria rotina, incluindo as dores e os problemas que sente e enfrenta no dia a dia. Também é importante desenvolver relações fora da virtualidade.

“Quando você tem um adulto que está atento e sabe o que acontece com o adolescente, sendo porta aberta de diálogo para troca de ideias, vai perceber os sinais se houver algo errado”, explica o psicólogo Fernando Cruz.

Prática de crimes
Juridicamente, o cyberbullying acaba atrelado aos crimes usados para praticá-lo. Os mais comuns são a violência psicológica e os delitos contra a honra, que incluem calúnia, difamação e injúria.

A primeira consiste em atribuir falsamente um crime a alguém; a segunda, em tentar “manchar” a reputação de outra pessoa; e a terceira, em ofender uma vítima, atribuindo uma qualidade negativa a ela.

Em Pernambuco, quando a violência afeta crianças e adolescentes, os casos são direcionados ao Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA), que fica no bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife, e tem uma unidade de plantão funcionando no turno da noite e nos fins de semana na Delegacia da Mulher, em Santo Amaro.

Como os delitos são cometidos no espaço virtual, é comum as investigações contarem com o apoio da Delegacia de Crimes Cibernéticos.

Dentro do DPCA, funcionam duas delegacias, uma que investiga crimes cometidos por adultos contra crianças, a Delegacia Especializada de Crimes contra a Criança e o Adolescente (DECCA), e outra focada em atos infracionais praticados por menores, a Delegacia de Polícia de Atos Infracionais (DEPAI).

De acordo com o delegado Geraldo da Costa, da DECCA, em geral, a maior parte das denúncias que envolvem agressores adultos é de crimes sexuais. “Muitas vezes, os casos chegam aqui e, quando descobrimos que o agressor é menor de idade, encaminhamos à delegacia especializada”, diz.

Já o titular da DEPAI, José Renato Gayão, informou que só recebe os inquéritos quando se confirma que o autor é menor de idade e que os casos de cyberbullying são minoria na unidade. “A gente lida muito mais com crimes como tráfico de drogas, roubo e violência doméstica. Não é o tipo de ocorrência usual”, conta.

Como muitas vezes o agressor é anônimo, o delegado de Crimes Cibernéticos, Eronides Meneses, ressalta que, na investigação, é necessário ter o link da mensagem ofensiva e do perfil do qual partiu a agressão.

“Mesmo que a pessoa apague, a gente consegue recuperar. A vítima deve tirar print, compartilhar com alguém e pedir para outra pessoa verificar [o conteúdo], porque ela vai servir de testemunha caso, quando a polícia for olhar, a publicação não estiver no ar”, orienta. Além da investigação policial, a família da vítima também pode entrar com uma ação na área cível por danos morais.

Postado por Sérgio Ramos/ Radialista e Blogueiro-14/08/2021 

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