O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) irá analisar se, em nome da
liberdade religiosa, pode-se afastar obrigação imposta a todos quanto a
requisitos para fotografia em documento de identificação civil. O tema é
objetivo do Recurso Extraordinário (RE) 859376, que teve repercussão geral
reconhecida nos termos da manifestação do relator, ministro Luís Roberto
Barroso.
A União, autora do recurso, questiona decisão do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF-4) que reconheceu o direito ao uso de hábito
religioso em foto para a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), afastando
aplicação de dispositivo da Resolução 192/2006 do Contran, que proíbe a
utilização de óculos, bonés, gorros, chapéus ou qualquer outro item de
vestuário ou acessório que cubra a cabeça ou parte da face.
O TRF-4 aplicou ao caso o disposto no inciso VI do artigo 5º da
Constituição Federal, segundo o qual “é inviolável a liberdade de consciência e
de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
Segundo entendimento do TRF-4, a norma do Contran tem a finalidade de garantir
o perfeito reconhecimento fisionômico do candidato ou condutor e a utilização
do hábito pelas religiosas não impede tal reconhecimento.
A ação civil pública foi ajuizada na instância de origem pelo Ministério
Público Federal (MPF) a partir de representação de uma freira da Congregação
das Irmãs de Santa Marcelina que foi impedida de utilizar o hábito religioso na
foto que fez para renovar sua CNH. A foto da carteira anterior e de sua
identidade foram feitas com o traje.
Na ação, o MPF qualificou como não razoável a vedação imposta pelo
Detran do Paraná, tendo em vista que a utilização do hábito é parte integrante
da identidade das Irmãs de Santa Marcelina, não se tratando de “acessório
estético”. Também argumentou que impor a uma freira a retirada do véu equivaleria
a exigir que um indivíduo retire a barba ou o bigode, afrontando a capacidade
de autodeterminação das pessoas. Por fim, alegou que o impedimento ao uso do
traje mitiga o reconhecimento pelo Estado à liberdade de culto.
No recurso ao STF, a União pede a reforma da decisão do TRF-4 e defende
o abrandamento do dispositivo constitucional em face da norma infralegal para
impedir a utilização de vestuário religioso na foto para cadastro ou renovação
da CNH. Sustenta que a liberdade de consciência e de crença, assegurada pelo
inciso VI do artigo 5º da Constituição, foi limitada pelo inciso VIII, segundo
o qual “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em
lei”. Para a União, isso significa que a liberdade religiosa não pode se
sobrepor a uma obrigação comum a todos os cidadãos.
Repercussão geral
Ao se manifestar pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria discutida no recurso, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a questão constitucional consiste em definir se uma obrigação relacionada à identificação civil pode ser excepcionada pela liberdade religiosa assegurada pelo artigo 5º, inciso VI, da Constituição. Segundo o ministro, a padronização dos procedimentos para a emissão de documentos de identidade é um mecanismo indispensável à promoção da segurança pública, na medida em que minimiza as possibilidades de fraude e incrementa a ação estatal na persecução penal. Porém, a identificação civil, como qualquer ato estatal, encontra limites nos direitos e liberdades individuais.
Ao se manifestar pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria discutida no recurso, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a questão constitucional consiste em definir se uma obrigação relacionada à identificação civil pode ser excepcionada pela liberdade religiosa assegurada pelo artigo 5º, inciso VI, da Constituição. Segundo o ministro, a padronização dos procedimentos para a emissão de documentos de identidade é um mecanismo indispensável à promoção da segurança pública, na medida em que minimiza as possibilidades de fraude e incrementa a ação estatal na persecução penal. Porém, a identificação civil, como qualquer ato estatal, encontra limites nos direitos e liberdades individuais.
“Dessa forma, os meios eleitos pelo Estado para certificar a identidade
civil não podem desconsiderar a existência de uma liberdade individual de
consciência e de crença. É certo, porém, que o exercício dessa liberdade impõe,
por vezes, o uso de indumentária que, embora fundamental à preservação da
identidade social e religiosa, pode ser incompatível com o padrão estabelecido
para a fotografia de documentos de habilitação e identificação civil”, afirmou
Barroso. O ministro observou que, no caso em questão, a promoção dos valores
coletivos da segurança pública e jurídica frente à liberdade religiosa
pressupõe avaliar se há um interesse comunitário no cumprimento por religiosos
das restrições para a foto na CNH. Mais do que isso, é necessário apurar se o
descumprimento dessas restrições importa em risco ao direito de terceiros.
Barroso lembrou que recentemente a Corte Europeia de Direitos Humanos
rejeitou as alegações de afronta a dispositivos da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem por uma lei francesa de 2010 que baniu o uso, em locais
públicos, de roupas que escondam o rosto. A representação formulada por uma
mulher francesa e muçulmana, que viu a sua liberdade religiosa constrangida,
foi desprovida por se considerar legítimo e proporcional restringir a liberdade
individual em nome do respeito aos requisitos mínimos da vida em sociedade,
assim como da proteção dos direitos e liberdades dos outros.
“Os limites que podem ser razoavelmente impostos às liberdades
individuais em nome da preservação do valor comunitário dependem do contexto de
cada comunidade e, sobretudo, do exame concreto da repercussão política,
social, jurídica e econômica da solução encontrada para aquela coletividade”,
assinalou.
A manifestação do relator foi seguida por unanimidade em deliberação no
Plenário Virtual do STF. O mérito do caso será julgado pelo Plenário, ainda sem
data definida.
Por Sérgio Ramos/Radialista e Blogueiro –
10/08/2017